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​A Refiguração do Banal
Guilherme Bueno, curador


As pinturas de Pedro Meyer são talvez um caso, senão único, raro do que identificaríamos hoje como uma pintura figurativa. Essa palavra surge aqui de propósito: indica que elas não falam estritamente de representação, mas igualmente não se atêm somente à aferição de uma lógica contemporânea da imagem. De fato, tudo isso existe nelas; ainda assim, o que parece diferenciá- las é o seu procedimento. Se considerarmos o método do artista (selecionar imagens da Internet, em sua maioria relacionadas a eventos, trabalhos ou personalidades do mundo da arte, e depois reinterpretá-las pictoricamente), ele perfaz ironicamente a relação entre artista e modelo, só que sem o modelo, ou melhor, com uma coisa – uma imagem digital – que posa involuntariamente.

A rigor, no que concerne esse ponto, vale lembrar que um procedimento semelhante já era empregado desde Delacroix e Courbet, ainda que fosse considerado pela tradição um truque sujo. Parece haver um quê – no bom sentido – de gosto de Meyer em lançar mão dele, uma vez que ele traz consigo um outro problema: o que um pintor busca numa foto, como ele tenta enxergá-la e o que pretende tirar dali.

Surge daí uma situação dúplice: se as figuras retratadas são alguém, sua presença insular nos sites de busca as coloca na beira da dissolução e do anonimato – é o fascínio de todos serem famosos. Há o outro lado, o das situações ou personagens escolhidos por interessarem ao artista de alguma maneira, seja por questões pessoais ou por proporcionarem uma situação-imagem que lhe pareça instigante. Os pontos de partida (e um quê desviantes) desencadeados a partir daí são dois: o primeiro é notar o que significa assumir a pintura como um espaço passível de assimilar elementos performáticos, ou seja, de uma pintura nascida da “impureza” de meios contemporâneos. Isso se dá quando Meyer relança na superfície do papel-desenho-pintura um gesto que busca dialogar com as referências de que se vale (para tentar ser mais claro, tal questão surge especificamente em alguns trabalhos da série Imagens da performance, na qual ele interpreta e “cola” em uma imagem única algumas das cenas que acompanha), como se reividicasse novamente uma escala corporal para a pintura. O segundo ponto é o limite em que, quando tudo se converte em pintura, as imagens arriscam ser comprimidas em uma mesma condição, colocando em jogo até que grau elas conseguem manter sua significação. 

Vale ainda observar que, nesse mergulho num território de imagens que parece infinito, acaba-se resvalando no que viria a ser este imaginário não só de um mundo contemporâneo, mas, mais especificamente, do mundo da arte contemporânea, como fica patente no seu facebook, composto por inúmeros desenhos que retratam a rede de interesses e afetos pessoais, artísticos e intelectuais.

Completa a exposição uma obra isolada das demais, mas dotada de um caráter peculiar: trata-se de um conjunto de desenhos-pinturas feitos com vapor, de modo que o pigmento compusesse diferentes soluções conforme tocava o papel que recobria a panela. Possuído de um certo viés experimental, ele não deixa de postular uma possibilidade conceitual para a linguagem do desenho, um desenho que também evoca um tempo e um acaso tão fugazes quanto o gesto de seus outros trabalhos.


rio de janeiro, 2012

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